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Crônicas de bicicletas - Caloi Snake


Ficha Técnica
Quadro
Material
Alumínio
Tamanhos
19
Garfo
Material
Aço Carbono
Suspensão
Dianteira
N/D
Traseira
N/D
Rodas
Tamanho
26

Freios
V-Brake
Câmbio
Marchas
21
Passadores
Shimano Revo Shift SL RS 31
Dianteiro
Shimano - FD TZ 31
Traseiro
Shimano - RD TZ 30

Corrente
KMC Indexada

Selim
Caloi MTB Sport em PU

Pedal
N/D

Peso
N/D

Na época, gastar mais de R$ 500,00 numa bicicleta não me parecia justificável. Também não tinha um mentor que pudesse me auxiliar na escolha de uma bicicleta apropriada aos meus propósitos que, na verdade, nem mesmo eu sabia quais eram. Um colega do trabalho comentou que tinha uma Caloi Supra e que gostava muito dela, só que ela custava mais do que eu conseguia gastar sem sentir remorsos. Uma alternativa seria sua irmã mais simples, a Caloi Snake.

Ambas eram anunciadas pela Caloi como se fossem Mountain Bikes. Na prática, eram apenas bicicletas de passeio. A Supra, ainda tinha um arremedo de suspensão dianteira, embora o sistema de elastômeros e os 50mm de curso a tonassem, para efeitos práticos, apenas um acessório cosmético. Ninguém em sã consciência a colocaria numa trilha um pouco mais acidentada do que a do Jardim Botânico de Brasília. A Snake, nem isso. Tal como a Supra, seu quadro era de alumínio mas seu garfo, de aço-carbono, não possuía nem ao menos um mecanismo de quick-release que agilizasse a troca das genéricas rodas de aro 26. O freio era do sistema V-Brake, numa época que os freios a disco já começavam a se popularizar. A partir de 2012, para fazer jus ao rótulo de MTB, a Caloi Supra passou a contar com freios a disco, ainda que de acionamento mecânico.

O modelo da foto foi vendido até 2011. A partir do ano seguinte, foi repaginada visualmente e passou a ser vendida na cor branca. Em 2016 ela já não estava mais disponível no mercado.

Comprei a bike na Sport Cicle em Brasília e já fui para casa pedalando. Todas as páginas que li em busca de dicas para escolher uma bicicleta eram taxativas: em hipótese nenhuma deveria sair da loja com uma bicicleta sem experimentá-la e que qualquer loja decente permitiria que eu o fizesse. Entretanto, foi somente após muita insistência e a muito contragosto que me deixaram dar uma pequena volta supervisionada, de uns 50 metros, nos arredores da loja.

No início, ela acabou subutilizada. Às vezes ia pedalando à pista de atletismo que treinávamos na época, no exterior do antigo Estádio Mané Garrincha. Outras, a usava nos dias de descanso, quando não aguentava ficar completamente parado, apesar da planilha mandar que o fizesse, e ia para o Parque da Cidade para dar 2 voltas grandes na ciclovia. Também me lembro de ir com ela em algumas provas na Esplanada dos Ministérios.

A primeira memória marcante que tenho dela foi também a mais doída. Literalmente. Foi com a Caloi Snake que eu lembrei como era cair de bicicleta.

Era a Páscoa de 2009. Já tinha corrido na sexta-feira quando decidi levar Henrique para passear de bicicleta no Eixão, fechado ao trânsito de veículos como costuma acontecer nos feriados nacionais. Com 4 anos de idade, Henrique era bem pequeno e sua bicicleta, bem pequena. Tão pequena que não era bem uma bicicleta em si. Era um brinquedo em forma de bicicleta. Seus pneus, maciços e acomodados num aro 12. O sistema de freio, pouco mais que um enfeite,  tinha um mecanismo de plástico, instalado na roda da frente, que não inspirava qualquer tipo de confiança. Na realidade, a frenagem era feita através dos pedais, já que a roda traseira, impossibilitada de se movimentar livremente, tornava a bicicleta uma fixa em miniatura.

Quando Brasília foi construída, as passagens subterrâneas eram retas. Daí, a prática mostrou que as tesourinhas em seu formato original, a despeito de toda sua plasticidade, não eram nada práticas. Na prática, a prática mostrou que muitas das ideias que pareciam geniais na prancheta de Le Corbusier e seus discípulos não eram nada práticas. Alguém consegue descrever rápida e instintivamente como se faz para sair do Eixinho W para o Eixão, no sentido do aeroporto? Dica: são necessárias 6 voltas nas tesourinhas. 20 km/h não compensam tanto trabalho. Melhor continuar a 60 no Eixinho mesmo.

Desde sempre mas de forma ainda mais acentuada no século XX, os embates entre os veículos motorizados e os pedestres são resolvidos em favor dos primeiros. Desta forma, as passagens subterrâneas foram modificadas para que uma solução de contorno - uma gambiarra, em bom português - pudesse proporcionar mais 2 alças às tesourinhas, eliminando a necessidade de se fazer a rotatória na comercial para se atingir as quadras pares a partir do Eixinho W e as ímpares a partir do Eixinho L.


Confuso? Deixe que um forasteiro tente explicar. A foto acima, do livro "Arquivo Brasília" e retirada do excelente blog "Livros e bicicletas" do Denir Miranda. Pena que o autor pareça ter se cansado e sua última atualização vai longe, janeiro de 2015. Voltando à foto, só para nos situarmos, ela está centralizada na Igrejinha da 308 Sul. Para se chegar às quadras pares - 207 e 208, por exemplo - um motorista que estivesse no Eixinho W popularmente conhecido como Eixinho de cima) em qualquer sentido, teria que pegar a alça à direita, cruzar toda a comercial, seguir até a rotatória, contorná-la por inteiro e descer a comercial no outro sentido, em direção às quadras pares. Com a implantação de 2 outras alças na tesourinha, basta ele pegar a segunda alça à direita caso estiver indo em direção ao aeroporto ou fazer uma tesourinha de 3 folhas se estiver seguindo em direção à Rodoviária. O tráfego foi otimizado pois as sempre atravancadas comerciais acabaram sendo poupadas de parte do fluxo de veículo.

Pouco importa que para acomodar a mudança, as passarelas tivessem que ganhar um formato, em L, que acabou por torná-las inóspitas, insalubres, fétidas e perigosas. Da prancheta de Lúcio Costa, Brasília foi concebida para ser uma cidade motorizada. Os pedestres, então, não passavam de pequenos detalhes incômodos, detalhes tão incômodos como são pessoas para a arquitetura modernista. Muito tempo se passou antes que todas as passagens subterrâneas ao longo do Eixão fossem desaterradas e finalmente concluídas. Muito tempo se passará antes que elas sejam revitalizadas para dar um mínimo de conforto aos seus usuários.

O formato em L, no entanto, lhes confere uma característica que achávamos bem divertida: o eco. À medida que nos aproximávamos da entrada, gritávamos:

- Eco! Eco!

Até o ponto onde o atraso das ondas sonoras refletidas possibilitava que travássemos um diálogo com a parede.

- Eco!
- Eco!
- Eco!
- Eco!

Naquele dia, porém, não teve brincadeira. Caímos literalmente de cara no chão. Na ladeira acentuada da passarela, Henrique tirou os pés dos pedais e sua bicicleta começou a ganhar velocidade. Ele entrou em pânico e eu, como um bom pai, o acompanhei em seu pânico. Emparelhei com ele e improvisei um plano: passaria o braço em torno dele e içá-lo-ia para a minha bicicleta, como nos filmes de cowboys. Se eu tivesse pensado um pouco, teria percebido que esta altura ele já tinha colocado os pés novamente nos pedais e controlado a bicicleta. O problema é que a esta altura, eu já tinha decidido e desligado os circuitos mentais que poderiam me mostrar que não se tratava de um bom plano. A probabilidade maior era que acabássemos ambos estatelados no chão.

Dito e feito. Enquanto eu estava estirado no chão, esperando a adrenalina abaixar e fazendo um check-up mental da situação, aonde doía, o que pode estar quebrado, Henrique já estava de pé aos berros, berros que não refletiam dor, mas raiva.

- A culpa é sua! A culpa é sua!

Sim, Henrique. Apesar de todas as boas intenções, a culpa fora minha. Comecei a me sentir nauseado com o cheiro de mijo que exalava das paredes e comecei a me levantar para sair o mais rápido dali. De todas as dores que sentia, a que mais me preocupava era a que vinha do joelho. Senti a roupa molhada e procurei não pensar que a umidade deveria ter a mesma origem do cheiro. Henrique estava menos machucado do que eu. Crianças são feitas de cartilagem, virtualmente indestrutíveis.

Voltamos para casa empurrando as bicicletas. A Caloi Snake estava empenada e assim permaneceu por um bom tempo, antes que eu me animasse a ajeitá-la.

A dor me fez ficar em casa no sábado de manhã. No domingo, porém, resolvi tentar fazer meu longão habitual, no percurso que até hoje gosto de fazer nas raras vezes que não há trilha ou pelotão. Saindo à direita na Rodoviária, vindo do Eixão Sul, em direção ao Congresso, o joelho já doía. Tive que trocar a passada para descer o meio-fio da calçada abaixo da Plataforma da Rodoviária, sinal de que algo estava muito errado. Percorri o Eixo Monumental até chegar à Praça dos Três poderes, fiz a volta, por trás do Congresso, e voltei em direção à Rodoviária. Lá chegando, percebi que não daria para prosseguir em direção ao Eixão Norte, o trajeto completo. Dobrei à esquerda no Buraco do Tatu e abortei o Longão.

Foi a primeira vez que me machuquei de verdade. Foi a primeira vez que usei gelo. E como usei. A bolsa de gelo foi minha companheira mais próxima durante semanas. Foi a primeira vez que usei anti-inflamatórios para tratar uma contusão. Foi a primeira vez que percebi que este tipo de medicamento não funciona no tratamento de contusões, apenas mascara seus sintomas. Foi a primeira vez que corri machucado. Foi a primeira vez que estraguei uma recuperação e voltei à estaca zero por ter voltado às atividades prematuramente. Foi um aprendizado. Pena que às vezes ignoramos o que aprendemos, por mais que tenhamos aprendido às custas de dor e de sofrimento. É quando a esperança vence a experiência.

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