Desapegando da função Auto Lap
Mesmo que não seja um relógio sofisticado, com GPS e monitor cardíaco, todo corredor que se preze carrega consigo um cronômetro no pulso para aferir seu ritmo. Se nos trotes sua ajuda já é importante para avaliarmos o progresso de nossa forma física, nas provas e nos treinos com meta de tempo, ele se torna indispensável.
Até comprar meu primeiro Garmin, corria com um monitor cardíaco da Oregon Scientific, recompensa por milhares e milhares de Dotz arduamente acumulados ao longo de anos. Usava somente sua função cronômetro. O monitor cardíaco, propriamente dito, acabou deixado de lado. Ele só marcava a pulsação instantânea e, à época, ainda desconhecia por completo conceito de treinamento por zonas de frequência. Ainda hoje só as utilizo nos treinos de ciclismo. Só lembro de usá-lo uma única vez, depois que um check-up de rotina apontou que eu sofria de uma bradicardia tão severa que o cardiologista queria me botar num marcapasso imediatamente.
O que acho surpreendente, é o quanto eu era regular nos check-points dos meus trotes diários. Antigamente, costumava decorar alguns check points para ter noção do meu ritmo. Na época, passava pelo primeiro deles, debaixo da Estação de Metrô Águas Claras, com a diferença de segundos de um dia para outro.
Durante muito tempo, o Garmin foi um desejo de consumo. Motivado pela inveja dos companheiros de equipe que apitavam a cada quilômetro, comprei um celular, um Sony Ericsson W760 Walkman equipado com GPS, na esperança de conseguir monitorar minhas corridas de forma semelhante. Ao comprar um celular, não me sentia tão culpado quanto me sentiria se fosse gastar num dispositivo exclusivamente para este fim.
Desnecessário dizer que a experiência não deu certo. O software era sofrível, o GPS demorava uma eternidade até adquirir o sinal, a sincronização de dados era difícil. Acabei voltando a correr com o cronômetro simples do Oregon Scientific no pulso até me animar a investir num Garmin. Partindo da premissa que caro é tão somente aquilo que não usamos, valeu cada centavo. Hoje, da mesma forma como me pergunto como vivíamos antes da internet (eu não me lembro), me pergunto como podia correr sem um GPS.
Tanto que, de 2009 para cá, já tive vários. Comecei com um Forerunner 405. Quando consegui destruí-lo, comprei um 405CX. Aí comecei a pedalar e comprei um Edge 800 que me acompanha até hoje, depois de mais de 25.000 km e se aproximando das 900 horas. A bateria do Forerunner 405CX começou a mostrar sinais de desgaste e eu já tinha começado a nadar. Comprei um Forerunner 910XT. Foi a minha única decepção com a marca a ponto de me fazer cogitar trocá-la por outra.
Não que as funções do 910XT não me satisfizessem. Muito pelo contrário. O problema foi um defeito que, de tão bem documentado nos fóruns da internet, me parece claro que se trata de um erro de projeto que a Garmin deveria corrigir e fazer um recall: O botão de power on/off deste modelo deixa de funcionar, inutilizando o aparelho. Depois de uma Via Crucis com o suporte da Garmin no Brasil, me foi oferecida a possibilidade de receber um dispositivo novo por R$ 620,00, cerca de 1/4 de seu preço. Mesmo sabendo que há a possibilidade deste substituto vir a apresentar o mesmo problema no futuro, achei a oferta irresistível e eis eu aqui, com um novo Forerunner 910XT.
Apesar de continuar não dispensando o Garmin nas minhas corridas, recentemente tive a oportunidade de experimentá-lo de outra forma. Até me machucar, em 2014, todas as minhas atividades fora da pista eram feitas com a função "auto-lap" ativada para apitar a cada quilômetro. Com isso, conseguia saber, instantaneamente, qual o meu ritmo no último quilômetro percorrido. No final do ano passado, quando comecei a correr novamente depois de praticamente um ano afastado, fiquei surpreso em perceber o quão desmotivador pode ser o relógio indicar a cada quilômetro que eu estava correndo (bem) acima do ritmo que costumava manter antes de me lesionar.
É claro que há diversos fatores envolvidos na perda de rendimento. Um deles é que, aos 40 anos, a senescência começou de forma irremediável e, como consequência, a tendência é que meu rendimento naturalmente vá decaindo com o passar do tempo. Outro fator é que, apesar de ter me mantido ativo, pedalando praticamente todo o tempo em que estive impossibilitado de correr, não se pode deixar de notar que nenhum esporte se aproxima da corrida quando se fala em capacidade aeróbica. Um declínio, portanto, era mais do que esperado. Ainda assim, era frustrante.
Costuma-se dizer que a ignorância é uma bênção. É a mais pura verdade. Desativei a função auto-lap do Garmin. Continuo consultando o cronômetro de tempos em tempos. De vez em quando, me pego tentando calcular o ritmo do último quilômetro. Mas ao menos ele não me dá esta informação mastigada. A falta de compromisso fez com que eu passasse a trotar me importando apenas em manter um ritmo confortável. Pensando bem, esta era a ideia de trotar desde o princípio. Mantenho o GPS apenas para fins de registro e, às vezes, faço uma análise superficial quando então me surpreendo ao constatar que, apesar de ter me sentido confortável o tempo todo, corri a segunda parte do meu trajeto, justamente aquela que sobe, em torno dos 5 min/km, por vezes abaixo.
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