Mais incentivos à indústria automobilística
Alguns dados do livro Apocalipse Motorizado, organizado por Ned Ludd:
"Na Grã-Bretanha, hoje em dia, o número de crianças mortas por atropelamento é um terço do que havia em 1922, quando o limite de velocidade era de 30 km/h e praticamente não havia tráfego. Não é o caso de as ruas terem se tornado mais seguras, mas sim de terem se tornado tão perigosas a ponto de não ser permitido mais às crianças brincar lá".
"A cada 13 minutos ocorre uma morte por “acidente” de trânsito no Brasil. A cada sete minutos ocorre um atropelamento. Além das 46 mil mortes anuais por “acidentes” de trânsito, 300 mil pessoas ficam feridas, 60% com lesões permanentes. Desses mortos, 44% foram vítimas de atropelamento e 41% estão na faixa etária entre 15 e 34 anos. Cerca de 60% dos leitos de traumatologia dos hospitais brasileiros são ocupados por “acidentados” no trânsito. Na cidade de São Paulo ocorre um “acidente” a cada 3,2 minutos.1 Mais de 700 mil pessoas morreram em “acidentes” de trânsito de 1960 a 2000 no Brasil. Já não é novidade que temos no Brasil em média uma “guerra do Vietnã” de mortos pelo trânsito por ano. De cada dez leitos hospitalares, cinco são ocupados por “acidentados” no trânsito. “Acidentes” de carro e atropelamento matam mais crianças de 1 a 14 anos do que doenças. Os “acidentes” de trânsito no Brasil são o segundo problema de saúde pública, só perdendo para a desnutrição, e são a terceira causa mortis do país. Além disso, o nível de monóxido de carbono nas grandes cidades já está acima do tolerado pelo ser humano."
Apesar destes números, a indústria automobilística continua recebendo incentivos fiscais. Já perdi a conta de quantas vezes o IPI dos automóveis foi reduzido. Com a recente redução do IOF sobre o financiamento destes bens já foram 7 ajudinhas em 6 anos, 2 só nos últimos 45 dias. Tais medidas são anunciadas como se fossem verdadeiras bençãos à sociedade quando, na verdade, trata-se justamente o contrário. A lógica associada a tais ações é que a redução do preço dos automóveis - sem prejuízo da enorme margem de lucro das montadoras, diga-se de passagem - permitirá a venda de mais carros, impedindo a demissão de trabalhadores, mantendo o nível de aquecimento da economia.
À primeira vista, parecem medidas lógicas, justas, baseadas no bom senso. Vamos, porém, colocar o problema sob uma outra ótica:
Um número maior de automóveis significa mais tráfego, mais acidente, mais mortes, mais mutilados, mais engarrafamentos, maior demanda por estacionamento público, mais poluição. Como lidar com isso? Logicamente tem que se construir mais vias e vagas para acomodar este incremento de veículos em cidades já altamente saturadas de automóveis. O trânsito na sua cidade está bom? Na minha não. Aliás, faz tempo que eu não ouço falar de uma cidade em que o trânsito seja tido como bom.
Vamos visualizar a sua cidade através do Google Maps. Ainda que houvesse orçamento suficiente para isso e que se pudesse construir uma via expressa instantaneamente, tal como em SimCity, como arrumar espaço para tais construções em cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília? Substitua essas cidades por qualquer cidade de médio ou grande porte no Brasil. Existe espaço para novas vias, para novos estacionamentos? O trânsito tende a piorar cada vez mais gerando, com isso, uma piora da qualidade de vida não só de quem se desloca de automóveis, mas também dos usuários do péssimo transporte público, ciclistas e pedestres.
Um número maior de automóveis significa mais acidentes, mais feridos, mais leitos ocupados. Exigirá ainda mais recursos de uma saúde pública já debilitada por uma crônica falta justamente de recursos.
Não se corrige um problema criando outro, ainda maior. Se fôssemos avaliar o custo social de se colocar um carro na rua, chegaríamos à conclusão que a sociedade como um todo subsidia o privilégio dos proprietários de veículos automotores. Chegaríamos à conclusão que o justo seria aumentar os impostos não só sobre os carros, mas também sobre o combustível como forma a desestimular o uso dos automóveis como o meio de transporte habitual da classe média em seu dia a dia.
Nenhum comentário