Header Ads

Header ADS

Super Maratona de Friburgo

Completar essa prova era um sonho de longa data. Nem tanto pelo desafio de percorrer 50km em uma estrada que me faz lembrar os tempos de garoto, mas porque correr em Friburgo seria algo emblemático. Foi lá que fiz minhas primeiras corridas e, excetuando-se os trotes e os longas que fazia quando ocasionalmente voltava à cidade que eu considero minha cidade natal, nunca mais consegui ter uma oportunidade de fazer uma prova lá.

Esse ano consegui encaixá-la no calendário. A maratona programada para o primeiro semestre furou por causa de uma tibialgia que me fez ficar parado por 2 meses e  pela segunda vez seguida frustou minha pretensão de correr em Paris. Acabei optando por fazer uma maratona no segundo semestre e a corrida de Friburgo estaria bem no início das 10 semanas regulamentares de treinamento. Meu treinador concordou, minha namorada topou me acompanhar e lá fui eu correr a maior distância da minha vida.

A primeira impressão é que a prova merecia uma divulgação maior. Ela não é conhecida nem no meio das corridas. O jornal local a ignorou solenemente e, se por acaso meu pai não fosse colunista da Voz da Serra, não haveria nenhum repórter a cobri-la. Peguei o kit - camiseta e número - com um novato que reclamava insistentemente que era o seu primeiro na dia na Prodesporte - loja que organiza o evento - enquanto encrencava que o nome do Ayrton não podia ser Ayrton pois ele sempre o conhecera por Lafond.

Forrei o estômago de carboidratos para o brutal consumo de calorias do dia seguinte e, apesar da ansiedade, consegui dormir razoavelmente cedo. O ônibus que levou os corredores para a largada estava programado para as 5 horas da madrugada. Dei um beijo na namorada que dormia na cama quentinha e peguei uma carona com meu pai para o Centro.

O ônibus só partiu às 5h30min e, durante a viagem,  começou a bater uma sensação bem familiar de "em que merda eu fui me meter". Consegui cochilar um pouco e por volta das 6h30min chegamos ao Hotel Fazenda Rio dos Fadres para a largada. As subidas não pareciam tão assustadoras naquele momento mas, pensando bem, elas estavam no sentido errado dentro do ônibus: elas eram descidas!

Perdi um sachê de gel na viagem e espalhei os demais dentro dos shorts. Às 7 horas foi dada a largada e um pouco menos de uma centena de doidos começou a percorrer a estrada em direção à Friburgo. Tinha pensado em um ritmo de 5'10"/km mas os primeiros quilômetros saíram a 5'00" e àquela altura pareciam perfeitamente factíveis. Tomava um gel no próximo posto de hidratação depois de cada quilômetro de final 0 e passei a encarar as subidas e descidas que apareciam. A estrada ainda era desconhecida naquele trecho pois havia navegado brevemente pelo Google Street View sem fixar muitos os pontos. No km 10,5, uma curva levou à primeira subida à vera. Uma placa com distâncias anunciava que ainda faltavam 39km para chegar a Nova Friburgo. Tentava manter o ritmo o mais confortável o possível mas, ainda assim, comecei a ultrapassar alguns corredores que largaram mais forte e agora iam se adaptando o ao seu ritmo natural.

A subida se estendeu até o km 16, onde um cemitério delimitava o início do povoado de Vieira. Passei um corredor nos 2 quilômetros planos por dentro do vilarejo que levavam até a Mãe de Todas as Subidas, na altura do Hotel São Moritz. A base dela foi o último momento em que eu me recordo de ainda estar aproveitando a paisagem. Lembro-me dos eucaliptos tingidos de líquens vermelhos e da pelada no campo de futebol, um pedaço surpreendentemente plano naquele relevo. Olhei para cima, vi a estrada serpenteando até desaparecer na quina da montanha e me lembrei da história que ouvi na faculdade em que o governador reclamava que havia pedido o relatório de viabilidade e não o de inviabilidade da rodovia.

Depois de 4 quilômetros de uma subida de categoria 3, cheguei no ponto mais alto da prova, na divisa entre os municípios de Teresópolis e Nova Friburgo. Desci à toda, tentando me distanciar dos 2 corredores que passei durante a subida. Passei outro competidor próximo ao km 25, onde um ônibus aguardava com os poucos concorrentes do revezamento. Dois deles conversavam no acostamento e só no último momento perceberam a minha presença, abrindo passagem.

Agora eu passava por trechos bastante familiares. A entrada da Fazenda Vista Soberba me trouxe lembranças da vez que almocei lá há muito tempo atrás. A entrada para a estrada de São Lourenço, onde a Tia Helga mantém um sítio. O ponto final do ônibus da Faol - até pensei em que ponto eu desceria em caso de emergência. Ceasa, Conquista, Churrascaria Barracão, Queijaria Escola - pronto: estou em casa, embora ainda esteja no km 30.

Agora o quadríceps dói a cada pisada, principalmente nas descidas. Penúltimo sachê de gel, no km 33 e a última grande subida, que leva para o Campo do Coelho, seguida por uma grande descida. À direita, no final do vilarejo, uma farmácia. Me sinto tentado a entrar para comprar um anti-inflamatório para tentar aliviar a dor mas consigo resistir. Subida dos morangos - que não é nem por sombra tão íngreme quanto eu me lembrava e a descida do sítio do Elias. A dor começa a ficar insuportável. Lá embaixo, no km 40, saio da estrada, me apoio na mureta e alongo a coxa por um tempo. Experimento algumas passadas e, surpreendentemente, consigo voltar a correr. Agora falta menos de 10 km, pouco mais de 50 minutos naquele ritmo.

Vou correndo de cabeça baixa, tentando ignorar o quanto ainda falta. Já não presto mais atenção quando o Garmin apita os quilômetros pois pouco importa o ritmo agora. A única meta é chegar. Passo por uma senhora de 58 anos que caminhava e tento incentivá-la:

- Vamos lá Fátima - o nome estava escrito nas costas da camiseta.
- Quanto ainda falta?
- 5 km.
- Tem mais alguma subida?
- Só mais uma pequena, no final da corrida.

Estou em Córrego D'Antas e, quando vejo a marcação de 46 quilômetros pintada no chão eu começo a me convencer que vou conseguir completar a corrida. No quilômetro 47 começa a última subida da corrida seguida pela descida do Hospital São Lucas. Dois soldados da PM fecham o trânsito para que eu possa atravessar a rodovia em segurança.

Falta menos de 1 quilômetro por ruas de paralelepípedos, mas a animação final que sempre dá um gás extra não aparece. Tudo o que eu quero é chegar logo e acabar com o sofrimento. Dobro a esquina mas ainda não vejo o ginásio onde está a linha de chegada. Vou correndo, aumentando inconscientemente o ritmo. Consigo avistar Wandréa e o meu pai. Ela sorri tão logo me reconhece na camiseta amarela da Equipe Lo-Rã. Meu pai está tirando fotos. Passo por ela e nem percebo que a corrida acabou. Travo o relógio: 4:20:51 e, embora no meu íntimo esperasse um tempo menor, estou satisfeito por ter passado da condição de maratonista para ultra-maratonista.

Extra-oficialmente, fiquei em 7º lugar geral. Ainda estou aguardando o resultado oficial mas por enquanto não há nenhum sinal no site da Prodesporte.

No dia seguinte à Maratona de Atenas de 2010, cujo relevo também não é nada plano, comentei com uma turista que descia as escadas do complexo da Acrópole, arrancando um sorriso dela:

- É fácil reconhecer um maratonista no dia seguinte de uma prova, né?

O mesmo se aplicou a mim nos dias seguintes da prova: ao chegar em Brasília e notar as escadas rolantes do aeroporto em manutenção, a lagriminha chegou a escorrer dos olhos. Ficava imaginando como ia conseguir descer 3 lances de escadas para ir trabalhar no dia seguinte. Trotar - só na quinta-feira, por 45 minutos, completamente desconfortável.

Deitado em um colchonete no ginásio de Duas Pedras, comentei com a minha namorada:

- Ultra maratona, rapá... nunca mais.

Quem me conhece sabe que não se deve levar esse tipo de promessa tão ao pé da letra. Quando é a próxima mesmo?

Nenhum comentário

Tecnologia do Blogger.