Checkup anual
Em 16 de outubro de 2006 fumei pela última vez. O cigarro tinha me acompanhado nos últimos 14 anos e, embora tenha ensaiado o adeus algumas vezes, todas elas se transformaram apenas em até breves. Desta vez as coisas correram diferentes. O primeiro dia foi um dos piores da minha vida. Atordoamento. Taquicardia. Suor frio. Não conseguia me concentrar. Não conseguia pensar em nada a não ser em dar um trago. Aos poucos a síndrome de abstinência foi passando e, apesar de ainda sentir vontade de fumar de vez em quando - já me disseram que esta vontade nunca passa completamente -, nunca mais coloquei um cigarro na boca. Às vezes sonho que estou fumando. A sensação da nicotina sendo absorvida num tremor de satisfação ainda é nítida. Depois bate um arrependimento. Já estava há tanto tempo sem fumar, como fui cair em tentação novamente?
Estava fazendo um check-up na ocasião. Exames de sangue, testes ergométricos, MAPA, eletrocardiogramas. Não era um bom prognóstico. Discutimos a possibilidade de remédio para baixar colesterol. Aos 31 anos. Disse-lhe que eu ia dar jeito na situação e combinamos de deixar essa possibilidade em aberto por 6 meses. Ele me deu um atestado para que apresentasse na academia mas a minha impressão foi que, no fundo, no fundo, preferia não tê-lo feito.
Cerca de dois anos e meio mais tarde retornei. Deitei-me na maca para fazer um eletrocardiograma - acho que fiz uma meia dúzia naquela época - e eu, todo orgulhoso, via a frequência dos batimentos cardíacos lá embaixo. O auxiliar que estava executando o exame perguntou-me se alguma vez eu já havia tido algum desmaio.
- Não, nunca.
A avaliação no consultório não foi nada boa. Com pouquíssimo tato, disse que provavelmente eu ia ter que parar de correr e ganhar peso para fazer o coração bater mais rápido. Se isso não resolvesse, teria que botar um marcapasso. Me colocou num Holter e me proibiu de fazer atividades físicas enquanto não fizesse o retorno - cerca de 1 mês depois. Ué? Eu não estava para morrer? Será que eu duraria até lá?
Liguei para o meu pai que também é médico. Ele tentou me tranquilizar, disse que era normal os batimentos cardíacos em atletas serem menores, um pouco abaixo de 60 bpm. Quando disse-lhe que os meus batimentos estavam na casa de 40 e poucos, percebi o silêncio preocupado do outro lado da linha, seguido pela frase:
- Putzgrila. Aí também já é baixo demais.
Era início de temporada. Estávamos fazendo treinamento de base e uma das atividades era fazer rampas na Torre de TV. Comentei com o Éder, que nesta época treinava a equipe junto com Lo-Rã e ele me disse que era um bom sinal, que meu coração estava bombeando sangue que nem o de um cavalo. Ainda hoje me espanto do quão claramente me lembro do episódio e do quão tranquilamente ele me disse isso. Não parei de correr, nem ao menos reduzi o volume dos tiros. Se eu ia morrer, que pelo menos fosse fazendo o que eu gostava. A minha maior preocupação era o fato de ainda não ser estável e não poder deixar pensão para mulher e filho.
Um mês depois estava lá no consultório novamente. Meu pai veio de Nova Friburgo para estar comigo. Ele sempre dá um jeito de estar presente nessas ocasiões. O laudo do holter deu uma frequência basal de 26 bpm. Um monte de pausas. Bloqueios de nível 2. Enquanto ele ia diagnosticando, sentia o desânimo crescendo.
O cardiologista resolveu me descartar, me passar adiante:
- Olha só. Vou te encaminhar para um arritmologista. - Eu não tinha nem ideia de que existia esta especialização e a piada do cara que entra no escritório do advogado por engano, se queixando de dor no testículo esquerdo me veio à mente.
Começou a telefonar para os colegas. Ninguém podia atender. Ou estavam de plantão, ou estavam num congresso. Até que no quarto ou quinto telefonema, encontrou um colega disposto a me atender com urgência - já que o meu caso era gravíssimo. Desligou o celular e me disse:
- Vai ver o Dr. Luís Gustavo lá no Incor hoje. Sabe onde fica? Lá no HFA.
O HFA eu conhecia. Me lembro dele desde a minha primeira temporada em Brasília pois a pousada que fiquei era no Cruzeiro Velho e nós sempre passávamos por ele a caminho do Terraço Shopping.
- Aparece lá por volta das 21:00, que é a hora que as coisas costumam estar mais calmas.
Ele escreveu no meu prontuário: "Encaminhado para um arritmologista", aliviado por estar se livrando de um problema. Nós nunca mais nos encontramos. Deve ter me observado saindo de seu consultório como quem observa um cara condenado à morte. A vida não é justa. Tão novo e já vai desta para a melhor.
Tínhamos combinado de ir à noite ao Clube Nipo comer Yakisoba. Não havia muito clima, mas de nada adiantava ficar em casa remoendo. Às 21 horas, deixamos minha madrasta, minha ex e meu filho em casa e fomos ao Incor. Me apresentei na recepção. Enquanto preenchia a ficha, o recepcionista interfonou e uma auxiliar de enfermagem apareceu com uma cadeira de rodas. Devia achar que eu estava enfartando. Que outra coisa justificaria alguém aparecer no Incor às nove e tanto da noite de um sábado?
- Pode deixar que eu vou andando mesmo.
Entramos no consultório e o dr. Luís Gustavo começou a analisar os meus exames:
- Você pratica esporte?
- Sim.
- Que tipo?
- Corrida.
- Que distância?
- 10. Meia maratona.
- Pelo que estou vendo aqui você está bastante condicionado. Uma pessoa que não esteja acostumada a trabalhar com atletas pode se assustar com esses resultado.
Então havia esperança.
- Aqui onde ele identificou os bloqueios... não é nada disso. Tá tudo bem. Pode continuar a fazer o que você faz. Se quiser pode até treinar mais que não há nenhum problema.
A depressão foi substituída pela raiva de ter passado desnecessariamente um mês inteiro em pânico.
- Quer um atestado?
- Sim... sim... - gaguejei.
Saí para correr com meu pai no dia seguinte. Depois de rodarmos um pouco, ele voltou para casa e eu emendei num longão, um dos mais leves que fiz em toda a minha vida.
Não preciso dizer que desde então, sempre que vou fazer o meu check-up vou direto no dr. Luís Gustavo. Esse ano bati o recorde: o holter acusou uma frequência cardíaca basal de 23 bpm. Desta vez sem sustos.
Estava fazendo um check-up na ocasião. Exames de sangue, testes ergométricos, MAPA, eletrocardiogramas. Não era um bom prognóstico. Discutimos a possibilidade de remédio para baixar colesterol. Aos 31 anos. Disse-lhe que eu ia dar jeito na situação e combinamos de deixar essa possibilidade em aberto por 6 meses. Ele me deu um atestado para que apresentasse na academia mas a minha impressão foi que, no fundo, no fundo, preferia não tê-lo feito.
Cerca de dois anos e meio mais tarde retornei. Deitei-me na maca para fazer um eletrocardiograma - acho que fiz uma meia dúzia naquela época - e eu, todo orgulhoso, via a frequência dos batimentos cardíacos lá embaixo. O auxiliar que estava executando o exame perguntou-me se alguma vez eu já havia tido algum desmaio.
- Não, nunca.
A avaliação no consultório não foi nada boa. Com pouquíssimo tato, disse que provavelmente eu ia ter que parar de correr e ganhar peso para fazer o coração bater mais rápido. Se isso não resolvesse, teria que botar um marcapasso. Me colocou num Holter e me proibiu de fazer atividades físicas enquanto não fizesse o retorno - cerca de 1 mês depois. Ué? Eu não estava para morrer? Será que eu duraria até lá?
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| O exame da discórdia |
Liguei para o meu pai que também é médico. Ele tentou me tranquilizar, disse que era normal os batimentos cardíacos em atletas serem menores, um pouco abaixo de 60 bpm. Quando disse-lhe que os meus batimentos estavam na casa de 40 e poucos, percebi o silêncio preocupado do outro lado da linha, seguido pela frase:
- Putzgrila. Aí também já é baixo demais.
Era início de temporada. Estávamos fazendo treinamento de base e uma das atividades era fazer rampas na Torre de TV. Comentei com o Éder, que nesta época treinava a equipe junto com Lo-Rã e ele me disse que era um bom sinal, que meu coração estava bombeando sangue que nem o de um cavalo. Ainda hoje me espanto do quão claramente me lembro do episódio e do quão tranquilamente ele me disse isso. Não parei de correr, nem ao menos reduzi o volume dos tiros. Se eu ia morrer, que pelo menos fosse fazendo o que eu gostava. A minha maior preocupação era o fato de ainda não ser estável e não poder deixar pensão para mulher e filho.
Um mês depois estava lá no consultório novamente. Meu pai veio de Nova Friburgo para estar comigo. Ele sempre dá um jeito de estar presente nessas ocasiões. O laudo do holter deu uma frequência basal de 26 bpm. Um monte de pausas. Bloqueios de nível 2. Enquanto ele ia diagnosticando, sentia o desânimo crescendo.
O cardiologista resolveu me descartar, me passar adiante:
- Olha só. Vou te encaminhar para um arritmologista. - Eu não tinha nem ideia de que existia esta especialização e a piada do cara que entra no escritório do advogado por engano, se queixando de dor no testículo esquerdo me veio à mente.
Começou a telefonar para os colegas. Ninguém podia atender. Ou estavam de plantão, ou estavam num congresso. Até que no quarto ou quinto telefonema, encontrou um colega disposto a me atender com urgência - já que o meu caso era gravíssimo. Desligou o celular e me disse:
- Vai ver o Dr. Luís Gustavo lá no Incor hoje. Sabe onde fica? Lá no HFA.
O HFA eu conhecia. Me lembro dele desde a minha primeira temporada em Brasília pois a pousada que fiquei era no Cruzeiro Velho e nós sempre passávamos por ele a caminho do Terraço Shopping.
- Aparece lá por volta das 21:00, que é a hora que as coisas costumam estar mais calmas.
Ele escreveu no meu prontuário: "Encaminhado para um arritmologista", aliviado por estar se livrando de um problema. Nós nunca mais nos encontramos. Deve ter me observado saindo de seu consultório como quem observa um cara condenado à morte. A vida não é justa. Tão novo e já vai desta para a melhor.
Tínhamos combinado de ir à noite ao Clube Nipo comer Yakisoba. Não havia muito clima, mas de nada adiantava ficar em casa remoendo. Às 21 horas, deixamos minha madrasta, minha ex e meu filho em casa e fomos ao Incor. Me apresentei na recepção. Enquanto preenchia a ficha, o recepcionista interfonou e uma auxiliar de enfermagem apareceu com uma cadeira de rodas. Devia achar que eu estava enfartando. Que outra coisa justificaria alguém aparecer no Incor às nove e tanto da noite de um sábado?
- Pode deixar que eu vou andando mesmo.
Entramos no consultório e o dr. Luís Gustavo começou a analisar os meus exames:
- Você pratica esporte?
- Sim.
- Que tipo?
- Corrida.
- Que distância?
- 10. Meia maratona.
- Pelo que estou vendo aqui você está bastante condicionado. Uma pessoa que não esteja acostumada a trabalhar com atletas pode se assustar com esses resultado.
Então havia esperança.
- Aqui onde ele identificou os bloqueios... não é nada disso. Tá tudo bem. Pode continuar a fazer o que você faz. Se quiser pode até treinar mais que não há nenhum problema.
A depressão foi substituída pela raiva de ter passado desnecessariamente um mês inteiro em pânico.
- Quer um atestado?
- Sim... sim... - gaguejei.
Saí para correr com meu pai no dia seguinte. Depois de rodarmos um pouco, ele voltou para casa e eu emendei num longão, um dos mais leves que fiz em toda a minha vida.
Não preciso dizer que desde então, sempre que vou fazer o meu check-up vou direto no dr. Luís Gustavo. Esse ano bati o recorde: o holter acusou uma frequência cardíaca basal de 23 bpm. Desta vez sem sustos.

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