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Crônicas de Bicicletas - Corre Max! É a sua bicicleta!

Separado. Meus pertences cabiam em poucas caixas que podiam ser transportadas entre os apart-hotéis que eu me internava enquanto não resolvia minha vida. Primeiro foi o Bay Park, com a condição expressa que o quarto fosse de frente para o lago. Um espetáculo acordar de manhã bem cedo para correr e contemplar, em suas águas, o reflexo do sol nascente tingindo o céu de rubro. Diariamente, contornava o Palácio da Alvorada e subia em direção à L4, fazendo meia volta e voltando pela Via do Palácio Presidencial. Ao chegar, ia à beira do lago contemplar a vista que, daquela perspectiva, era completamente diferente da imagem que eu fazia dele na época, restrita à visão do Pontão do Lago Sul a partir do Pier 21 e vice-versa. Às vezes não resistia e dava um mergulho em suas águas de temperatura surpreendentemente agradável.

Tinha conseguido liberação do treinador para correr em dois turnos e não tinha ninguém em casa me olhando atravessado quando eu calçava o tênis à tarde para pisotear os problemas de um dia trabalho. Tinha uma maratona para fazer. Tinha uma meta de tempo a bater. Tinha todo o tempo do mundo para correr.

Além do preço, o Bay Park apresentava uma série de vantagens. Tinha a tranquilidade durante a semana. Tinha os ingressos para o parque aquático que, para quem tem filhos com a idade do Henrique à época, era super conveniente. Passada a lua de mel com a nova vida, alguns poréns começaram a incomodar: Tinha o Net Live, vizinho ao hotel. Em 2010 ele ainda se chamava Opera Hall mas, como hoje, já costumava deixar suas imediações intransitáveis nos dias de shows e festas. Tinha o barulho que vinha de lá. Por que será que no Brasil se convencionou que diversão está diretamente relacionada a som alto? Tinha a distância da Vila Planalto, ainda que próxima para os padrões rodoviários, não era tão do lado do trabalho quanto eu estava acostumado. Atualmente, com a minha rodagem e a existência da ciclovia que liga o CCBB à Esplanada dos Ministérios, eu teria feito da bicicleta meu meio de transporte principal. Mas à época, a distância me parecia grande o suficiente para me desestimular a ir pedalando pro trabalho.

Acabei me mudando para um quarto em outro apart, o San Marco, no Setor Hoteleiro Sul. O hotel estava a um pulo do parque, a uma descida do trabalho, perto do filho e, o mais importante, era silencioso como uma tumba. Perfeito. A Caloi Snake voltou a ser um meio de transporte quando eu conseguia que os porteiros abrissem o portão da garagem com o som da campainha. Tudo corria bem, apesar da solidão. Era época de Copa do Mundo e, eu assistia aos jogos do Brasil sozinho, na varanda do quarto, enquanto ouvia o inconfundível som de torcida misturado ao barulho das malditas vuvuzelas vindos dos bares no Setor Comercial Sul. Nada demais. Gosto da minha companhia o suficiente para lidar com esse tipo de situação.

Aos poucos, a Caloi Snake foi ganhando adereços, conforme ia ganhando funções. Uma cestinha na frente. Uma garupa para levar o filho pro colégio. Pedaleiras para os seus pés. Acabou se tornando uma bicicleta utilitária. Útil.

Ouvi falar do Pedal Noturno e resolvi experimentar. Estava precisando retomar a vida social e, se pudesse conciliá-la com mais atividade física, tanto melhor. Justamente o primeiro dia que escolhi aparecer no Gibão para conhecer o grupo, comemorava-se 6 anos de sua criação com um pedal gastronômico, com direito a pizza no Sudoeste. Se eu estava à procura de interação social, tinha descoberto. Logo percebi, porem, que o ritmo de passeio do Pedal Noturno não dava para classificá-lo exatamente como "atividade física". Eram passeios. Passeios que terminavam tarde, ao menos para um cara que estava acostumado a estar na cama antes das 22. Às vezes, me sentia um pouco constrangido em aparecer nos pedais com minha Caloi Snake de cestinha com tanta bicicleta estilosa ao redor. Mesmo no Pedal Noturno, um pouquinho de ostentação, tão comum ao mundo do ciclismo, se faz presente.


Continuei frequentando o Pedal Noturno por um tempo. Apesar dos pesares, ele foi bastante útil, na medida em que se trata de um pedal urbano no qual a segurança é extremamente enfatizada. O aprendizado que nele ganhei sobre como me comportar no trânsito foi muito importante e até hoje, quando alguém compra uma bicicleta e se sente inseguro em botá-la na rua, recomendo que pedale um tempo com o grupo até ganhar experiência. O único incidente de trânsito que tive nesta época foi uma porta de carro aberta de repente que quase me jogou no chão perto do Pátio Brasil, quando voltava para o hotel.

Desde que entrei no banco, meus horários eram o que se pode definir como flexíveis. Quando eu tinha cargo em comissão e tinha que cumprir as 8 horas diárias, costumava entrar às 11 e sair às 20. Era a maneira que eu tinha para aproveitar um pouco da manhã com Henrique. Nesta época, eu costumava passar na casa de sua mãe e levá-lo para o parquinho da quadra de cima, onde as crianças de sua idade eram levadas pelas seus pais/mães e, principalmente, pelas babás. Creio que elas se divertiam ainda mais que as crianças, conversando animadamente enquanto as crianças interagiam pelos brinquedos, contidas pelo cercadinho. Eu deixava a bicicleta do lado de fora dele. No início, eu até passava o cadeado. Depois de um tempo, acabei relaxando e só a encostava displicentemente num canto.

Estava distraído, observando as crianças quando de repente, vejo um rapaz, de menor, passando numa bicicleta. "Que coincidência... Até parece minha bicicleta...". "Muita coincidência... Tá faltando até a pedaleira do lado direito...".

- Ei! É a minha bicicleta! VOLTA AQUI!
- VAI MAX! CORRE! É A SUA BICICLETA! - gritaram as babás ao perceberem o que estava ocorrendo.

Fui correndo atrás dela o quanto pude. Quando cheguei à L1, já a tinha perdido de vista e não tinha ideia para que lado ela havia sido levada. Tampouco faria diferença. Como corredor, não era páreo para uma bicicleta, mesmo que ela fosse uma ordinária Caloi Snake.

Quando voltei para o parquinho. Henrique estava desolado.

- Que foi, carinha?
- Roubaram a sua bicicleta.
- Fica assim não. Papai compra outra...

Como é comum neste tipo de situação, as pessoas que estavam observando de longe apareceram aos montes, não para prestar solidariedade mas para demonstrar, do alto de suas sapiência, o quanto a vítima vacilou, foi descuidada, deu mole, pediu para ser roubada.

Na nossa cultura, a culpa é sempre da vítima. É a mensagem subliminar que as autoridades de segurança passam quando entrevistadas, ao afirmar que a única proteção contra roubos e assaltos é não usar seus pertences. Caso a recomendação seja descumprida, não reaja e agradeça se o dano estiver limitado ao prejuízo material. Não contem com as autoridades que elas podem, no máximo, desejar um ano novo com mais segurança. Caso o desejo não se concretize, sinto muito, não é culpa nossa.


Se somos condicionados a não reagirmos sequer quando somos as vítimas, o que dizer quando se trata de um desconhecido? Não é a toa que uma das coisas que chamou mais a atenção da turista japonesa que sofreu uma tentativa de estupro em Fortaleza foi, segundo seu testemunho: "Várias pessoas passaram pela rua e viram mas fui ignorada. Quem vinha na direção e percebia simplesmente dava meia volta ou atravessava a rua".

A Caloi Snake foi a segunda bike consecutiva que me foi roubada. Parecia até uma premonição que minha história com elas não renderia muitos frutos. Ainda bem que eu não acredito nessas bobagens. A exemplo da Prince, também não estava cadastrada no Bike Registrada. Por isso, se você tiver notícias dela, entre em contato para que a Secretaria de Segurança do Distrito Federal possa incluir esta ocorrência na lista de roubos solucionados e melhorar suas estatísticas.

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