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[Off-Topic] Divã do Faustão

Existe uma criança cuja convivência me é muito próxima. Ela recém completou o Jardim I mas, há mais ou menos uma semana, abriu o Pequeno Príncipe pela primeira vez e leu para a sua mãe: "desenha-me um carneiro". De vez em quando, ele confisca o "celular da mamãe" para jogar "Max W" - essa é a forma como meu contato está gravado. De repente, uma rajada de torpedos inunda meu telefone com a programação da Discovery Kids, Cartoon Network ou qualquer outro canal de TV que ele tenha assistido recentemente. "Minha Babá é uma Vampira e o Par de Reis", "Par de Reis e o Bodi Band", "Bodi Band e o Kick Buttowski: Um Projeto de Dublê". Tudo é escrito de forma tão correta, que quem vê custa a acreditar que tenha sido enviado por um garoto de 4 anos. Não é necessário mencionar que trata-se de uma criança especial e, certamente, ele o é. A começar pelo fato que ele é autista.

Não é a primeira criança nesta condição com quem convivo. Henrique - ou Renique para ele - estudou durante dois anos com uma criança que se encaixava muito mais no estereótipo de um autista clássico. A princípio eu me questionava se frequentar uma escola regular fazia bem para ele. Fico com a impressão que a sua presença numa sala de aulas, a longo prazo, faz bem não só a ele, mas a todas as pessoas na mesma situação, ao mostrar aos seus colegas que existem autistas, que eles são diferentes - como todos somos, em diferentes graus - e que, sobretudo, eles têm que ser tolerados e respeitados, não pela sua condição mas por que são seres humanos.

Quando comecei a ouvir os rumores de que Adam Lanza, o atirador de Newtown era autista, Aspenger ou o que quer que fosse, comecei a ficar preocupado pois em minha opinião isso não prova nada, serve apenas para realçar preconceitos. Ainda que ele fosse autista, outros atiradores da  infelizmente longa lista de tragédias semelhantes nos Estados Unidos - ou de qualquer outra parte do mundo, esse tipo de bizarrice não é exclusividade dos norte americanos - não o eram. Se fôssemos aplicar uma analogia, que tipo de conclusão lógica poderíamos chegar?

Hoje pela manhã, fui surpreendido pelo vídeo do Divã do Faustão. Confesso que por puro preconceito não assisto a esse programa. Tá bem, confesso também que de vez em quando assisto às vídeo cassetadas e acho que devo me envergonhar por sentir graça com a desgraça do alheio mas, enfim, quando recebi o link para o programa, achei em um primeiro momento que a pessoa queria uma opinião sobre o tema do programa - "Totia Meirelles, sobre traição: 'Perdoaria. Se a pessoa ama e quer ficar...'". Logo no início da gravação, porém, a psicóloga Elizabeth Monteiro, provocada pelo apresentador Fausto Silva, comenta sobre o tiroteio de Newtown e faz associação de autismo com psicopatia. Faz inclusive uma patética definição de diagnóstico de crianças psicopatas e aí eu senti um desânimo enorme.

De repente, os dois anos que o Henrique estudou com seu colega foram jogados por água abaixo. Quantos pais que assistiram ao programa não ficarão inseguros quando souberem que seu filho estuda com um autista. Afinal de contas, a psicóloga do Divã do Faustão disse que autistas são potenciais psicopatas. Quantos passos no combate ao preconceito foram retrocedidos? Creio que na próxima edição do programa, uma tímida tentativa de reparação será feita. Será dito que as pessoas entenderam o infeliz comentário de forma equivocada, que em nenhum momento ela quis dizer o que se espalhou pelas redes sociais e a culpa disso tudo é das pessoas que deturparam suas palavras. O fato é que nenhuma pessoa com que conversei a respeito depois de mostrar a gravação teve uma interpretação diferente da minha.

Na verdade, uma tentativa de reparação já foi feita através do Facebook da Elizabeth Monteiro, onde ela diz: "É realmente um infeliz desastre, se isso foi entendido da forma que os muitos comentários postados aqui afirmam que foi. Somos responsáveis por aquilo que dizemos, mas nem mesmo ao mais impecável orador é garantido o controle sobre o que as pessoas possam vir a entender, interpretar ou mesmo transformar suas palavras".

Uma mídia independente é fundamental. Acontece que, segundo Ben Parker "Grandes poderes trazem grandes responsabilidades". Biografias são lançadas à lama semanalmente nas bancas de jornais. Depois, publica-se uma retratação e acha-se que está tudo bem, que um pedido de desculpas é suficiente para deixar a situação zero a zero. Não está. E a Escola de Base? Um pedido de desculpa vai apagar o que o sofrimento dos 7 injustamente acusados. E a Daniele Toledo, que supostamente colocou cocaína na mamadeira da filha? Um pedido de desculpa vai trazer a visão e a audição dela de volta? E quanto ao Adam Lanza? Uma tímida retratação vai compensar o bullying e a marginalização que acontecerá devido a este infeliz comentário?

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