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Despedida

Conheci a Equipe Lo-Rã em 2007. Na época, os tiros eram feitos na pista de atletismo do Estádio Mané Garrincha. Apesar de ser uma pista dura, feita de concreto, tinha uma grande vantagem: o horário em que treinávamos coincidia com o da irrigação do gramado e, desta forma, o clima seco era amenizado pela umidade do gerada no processo. Às vezes um jato estava desregulado e molhava as raias internas da pista, gerando algumas poças d'água mas, a não ser no frio do inverno, não chegava a incomodar.

Me afastei da equipe em 2008. Estava morando longe e para treinar, tinha que trocar o metrô pelo carro, o que me submetia a desanimadores engarrafamentos na volta para casa. Resolvi treinar por conta própria e desenvolvi a minha própria estratégia: às terças e quintas eu corria no Parque de Águas Claras em ritmo de corrida. Nos demais dias, trotava com exceção dos sábados, quando fazia um longão de cerca de 20km. Aparentemente, a estratégia deu resultados pois consegui baixar meu tempo nos 10 km de 47'40" para 43'08" em cerca de 6 meses.

Em 2009 resolvi correr uma maratona e percebi que não ia conseguir treinar adequadamente sem uma orientação especializada. Eu já estava morando no Plano Piloto, de forma que a desculpa da distância não colava mais e, desta forma, voltei à equipe, com a qual sigo treinando desde então.

Mais ou menos nesta época,  a nossa autorização para treinar na pista de dentro do Estádio Mané Garrincha foi revogada e tivemos que fazer nossos tiros na pista localizada nas suas proximidades. A princípio, não parecia uma troca animadora - a pista era visivelmente decadente. Reza a lenda que outrora ela fora revestida de tartan mas, quando a conheci, restava somente o asfalto desgastado pelo tempo. Não havia sequer banheiros que pudéssemos usar.

Pouco a pouco, porém, fui me acostumando a ela e descobrindo até algumas qualidades. O piso era nitidamente mais macio e ela possuía dimensões oficiais. De tanto rodar, passei a conhecer todos os seus detalhes, suas marcações, seus pontos de referência. Nela, fiz tiros de tudo quanto é tipo: dos 100 aos 6.000 metros, não houve distância que não tenha sido coberta. Quando estava treinando para a maratona do Rio, neste ano, cheguei a fazer 4 tiros de 4.000m o que, fazendo as contas, dá 10 voltas por tiro. Vezes 4, 40. Mais o aquecimento e o desaquecimento, 48 voltas na pista em um único dia. Ainda assim, dela nunca enjoei. Nunca houve um dia que, ao acordar, tenha pensado: "Que saco! Sair da cama para ficar dando voltas, voltas e mais voltas naquela maldita pista!".

Sempre foi um prazer correr sob a vista dos eucaliptos e das mangueiras, mesmo quando, nos dias iniciais do horário de verão, começávamos a trotar ainda no escuro. Ou, ainda, em plena estação das chuvas, quando a água e a lama por vezes invadiam as raias e encharcavam e sujavam os tênis, as camisetas e tudo o mais que fosse branco e difícil de lavar. As condições adversas eram compensadas pela consciência de que ela tinha um papel importante no (visível) progresso que eu continuava fazendo; pelas amizades que ela me proporcionava fazer; pela coruja que de vez em quando me recepcionava na minha chegada, bem cedo pela manhã; ou simplesmente pela visão do nascer do sol, como o que hoje pude admirar.


Passar pelo eucalipto solitário, na última volta de um treino, dava a sensação de dever cumprido. Ao fundo, os eucaliptos que separavam a pista das quadras de tênis, que também serão demolidas.

Sim, hoje. Apesar do PPG ter sido cancelado, resolvi seguir para o local onde batia ponto todas as segundas, quartas e sextas para dar o último trote nesse lugar que tanto significa para mim. Coloquei o meu "óculos espião"  - que desta vez fez o favor de funcionar - e fui trotando, de casa até lá. Não esperava encontrar ninguém - pretendia que fosse um momento íntimo - mas, para a minha surpresa, avistei o Laurent, sentado em sua mesa, assim que contornei o estádio. Expliquei o motivo de estar lá e travamos nosso último papo entre atleta e treinador em "A Pista", a maneira como dela vou me recordar. A chegada de uma colega de equipe foi a senha para que eu finalmente fosse dar as minhas últimas voltas no local o qual, apesar de todo o seu significado, eu provavelmente nunca mais tornarei a pisar.
Laurent sentado em sua mesa. Nos dias de treino, o carro costumava ficar do lado de fora da pista.

A pista está sendo fechada definitivamente. Por ora será o refeitório dos operários que trabalharão na demolição e na reconstrução do estádio para a Copa do Mundo de 2014. Depois, será apenas um árido e ermo estacionamento.
Visão da reta principal.

Pessoalmente, acho um desperdício investir uma soma tão grande de dinheiro em um estádio que será utilizado em 4, 5 jogos durante a Copa e, depois, será palco das exibições de Gama e Brasiliense, os dois times locais que agonizam nas 2a. e 3a. divisões do Campeonato Brasileiro. Juntamente com a exclusão de Belém em favor de Manaus como sede da Região Amazônica, considero essa a outra grande injustiça na escolha das cidades-sede: assim como Belém, na região Norte, no Centro-Oeste, quem tem tradição - e times com torcida - é Goiânia. Lá, a reforma do Serra Dourada seria aproveitada não só durante a Copa, mas também depois do evento.

Apesar de ser uma visão pessoal, a constatação que não só a Equipe Lo-Rã ficará órfã de uma pista para treinar é inegável. Outras equipes - e mesmo outros atletas que treinam por conta própria - costumavam freqüentá-la. Pode ser que o rumor da construção de uma nova pista se mostre verdadeiro, mas, ainda assim, por que não fazê-lo antes de fechar a atual?

Dei as derradeiras voltas inicialmente sozinho. Mais tarde, um companheiro de equipe chegou e rodamos juntos, compartilhando tanto nossas lamentações como nossas boas lembranças. A coruja não apareceu. Só faltou ela.


Visão da chegada (ou partida) da pista. A coruja costumava estar pousada na grade que limitava a pista. Também é possível observar algumas das diversas mangueiras plantadas no seu entorno.

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