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Trote na Madrugada


A medida da dedicação é dada pelo que se está disposto a sacrificar para atingir um objetivo. Nestas ocasiões, além da satisfação obtida pela sensação do dever cumprido, há um acréscimo proporcional ao nível de dificuldade adicionado.

Nas revistas especializadas, vota e meia há o perfil de um atleta, na qual ele conta os sacrifícios efetuados e as conquistas obtidas ao longo de sua carreira. Lembro de ter lido, há muito tempo, alguém relatando que com o voo atrasado e na iminência de perder o treino programado para aquele dia, deu um jeito de calçar o tênis e treinar na pista do aeroporto. Embora tenha lido este relato há muito, muito tempo, duvido que os padrões de segurança daquela época fossem tão frouxos a ponto de ignorar alguém dando tiros juntos à aeronave. Talvez a história não tenha se passado exatamente assim. Não deixa, porém, de ser uma história impactante, uma vez que ela persiste em minha memória a cada dia mais volátil.

Talvez o impacto venha do fato de eu, de certa forma, me reconhecer nela. Provavelmente, uma pessoa que não compartilhe destes hábitos e esteja lendo a reportagem por acaso, numa revista desgastada pelo tempo na sala de espera do dentista, sinta até um certo desdém. "Cada maluco neste mundo". Eu, que já me peguei pesquisando por academias nos aeroportos quando há uma conexão a ser efetuada e uma entrada na planilha a ser cumprida, entendo perfeitamente o que leva uma pessoa a tomar uma atitude excêntrica como esta. Se nunca subi numa esteira no intervalo entre um voo e outro, deve-se única e exclusivamente pelo fato de não haver nenhuma disponível nas ocasiões que elas se fizeram necessárias nos aeroportos do Galeão ou de Guarulhos.

Já cometi algumas excentricidades para não deixar uma dia no registro de atividades do Strava vazio. Quando Henrique era mais novo, fazia os longões nas manhãs de sábados nos fins de semana de papai. Num desses sábados, com um longão para cumprir e um torneio de judô às pra assistir, ajustei o despertador para às 4:30 e meia hora depois estava saindo para o breu na portaria do Bay Park, o hotel onde estava morando então. Noutra ocasião, enfrentando uma noite insone e diante da constatação que não daria conta de correr na manhã do dia seguinte, resolvi espremer o limão e fazer uma limonada, saindo às 2 da madrugada para trotar. O meu trajeto incluía um bar onde as pessoas devem ter se perguntado se tinham realmente visto um maluco passar correndo ou se era efeito das biritas acumuladas.

Por mais que haja a fama da seca de Brasília, em grande parte do ano chove pra caramba por aqui. Chove tanto que seu índice pluviométrico anual é maior do que o do Rio de Janeiro, por exemplo. Por outro lado, por mais que haja a fama do planejamento de Brasília, muita coisa foi deixada para lá na época de sua construção e a letargia inerente ao poder público fez questão de deixá-las inalteradas ao longo destes 55 anos. Prova disso é que assim como a morte e os impostos, é certo que o Correio Braziliense vai noticiar algum carro submerso na enxurrada que vai tomar conta das tesourinhas na estação da chuva deste ano. Não seria diferente nas (cada vez mais) escassas e precárias pistas de atletismo da capital. Nestas ocasiões, as raias inundam e a frequência torna-se praticamente nula. Segundo Laurent, é quando se vê quem é atleta de verdade. Sei disso porque nestas ocasiões, estou lá.

Relato essas ocasiões com um sorriso de orgulho mal disfarçado no canto da boca. São os sacrifícios que estou disposto a assumir em troca do prazer de correr. São as oportunidades de demonstrar, a mim mesmo, que ainda sou um atleta. Como neste sábado em que eu estava de sobreaviso no trabalho, +Wandréa Marcinoni tinha que sair às 6:15 para o plantão e as crianças estavam em casa sob minha responsabilidade. Ajustei o despertador para às 5 da manhã. 15 minutos depois estava na rua, naquele mesmo percurso que passa por aquele mesmo bar. Desta vez já não tinha ninguém. O pouco movimento estava restrito aos carros com as pessoas que voltavam da balada. O resultado está aí em cima. E aqui dentro também ;-)


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